Vida para a Biologia

Definimos biologia como sendo o ramo da ciência que estuda os organismos vivos. É uma definição bem simples. No entanto, podemos fazer perguntas mais difíceis e interessantes com essa definição: o que é vida? O que significa estar vivo?

Esta questão tem proporcionado longas discussões e a resposta a ela pode depender das definições iniciais de cada um.

Algumas das definições de vida são:

  • A qualidade que distingue um ser funcional e vital de um corpo não vivente ou pura e simplesmente da matéria química.
  • O estado de um complexo material ou indivíduo, caracterizado pela capacidade de executar certas funcionalidades incluindo metabolismo, crescimento e reprodução.
  • A sequência de experiências mentais e físicas que constituem a existência de um indivíduo.

Sob estas definições, a vida poderá ou não incluir os vírus que, somente são vivos se conseguirem inserir o seu material genético dentro de uma célula viva. Para alguns, os sistemas vivos que reagem ao ambiente, sofrem crescimento, melhoram e se reproduzem, estão vivos. Uma definição mais liberal incluirá demasiado enquanto que uma visão mais restrita poderá não incluir todas as células.

O intuito de todo artigo é descomplicar, entretanto, por não existir uma definição definitiva sobre o que seja a vida, vamos complicar um pouco, apenas para fazer o cérebro trabalhar um pouco.

Eu e você estamos vivos. O cachorro que está latindo está vivo, a árvore na frente de casa também está viva. Porém, a neve que cai das nuvens não é viva. O computador no qual você está lendo este artigo não está vivo, tão pouco uma cadeira ou mesa. As partes da cadeira feita de madeira um dia estiveram vivas, mas não estão mais. Se você queimar a madeira com fogo, o fogo também não estaria vivo.

O que define a vida? Como podemos dizer que uma coisa está viva e outra não? A maioria das pessoas tem uma compreensão intuitiva do que significa algo estar vivo. No entanto, é muito difícil chegar a uma definição precisa da vida. Por causa disso, muitas definições de vida são operacionais — nos permitem separar seres vivos de seres não-vivos, mas realmente não definem precisamente o que é vida. Para fazer essa separação, devemos fazer uma lista de propriedades que são unicamente característica dos organismos vivos.

De acordo com análises de livros didáticos realizadas por El-Hani e Kawasaki (2002) percebe-se que na maioria dos livros não há um capítulo dedicado à caracterização da vida. El-Hani e Kawasaki (2002, p. 02), afirmam que “alguns autores explicitam a dificuldade de definir vida, em conexão com uma abordagem essencialista”, como é possível verificar no livro didático de Soares (1999), que afirma que “conceituar a Biologia como a Ciência que estuda os seres vivos é muito mais fácil do que definir o que seja “vida”, uma vez que esta definição envolve conceitos filosóficos e até mesmo religiosos” (SOARES, 1999:28 apud ELHANI e KAWASAKI, 2002, p. 02).

O termo vida também está presente no Velho e Novo Testamentos. De acordo com a tradição cristã a vida seria o oposto de morte, aquilo que nos salva da destruição. Durante toda a Idade Média os pensamentos cristãos irão predominar sobre os demais. Entretanto, juntamente com as idéias cristãs a filosofia aristotélica irá influenciar diversos pensadores, como São Tomás de Aquino. Diferentemente da filosofia aristotélica, São Tomás considera a alma imortal e independente do corpo. Na filosofia de Tomás de Aquino a vida só é possível devido a uma força externa.

A Biologia Evolutiva Neodarwinista baseia-se na capacidade dos seres vivos de produzirem cópias de si mesmos, mantendo suas características genéticas básicas através das gerações e, concomitantemente, sofrerem mudanças em seu material genético devido a processos de mutações e recombinações, possibilitando a evolução dos indivíduos com o passar do tempo (TAVARES, 2000, p. 29). Na Biologia Evolutiva Neodarwinista o gene é entendido como a unidade de seleção e é ele que, sofrendo a ação da seleção natural, sobrevive ao longo das gerações. Os organismos são simplesmente veículos ou máquinas de sobrevivência dos genes (DAWKINS, 1979, p. 40).

Como foi possível perceber há uma enorme diversidade de definições de vida, desde as mais amplas, religiosas até as mais científicas, que datam de séculos mais recentes. Essa questão é um ponto significativo em Ensino de Ciências, principalmente porque as discussões científicas sobre vida estão relacionadas com a Biologia, e esse é um obstáculo que os professores dos mais diversos níveis de Ensino têm que enfrentar.

Para a ciência, um ser vivo é algo que atenda o conjunto das definições abaixo:

A definição Vida Fisiológica

Foi popular por vários anos. Um ser vivo é definido como sendo um ser capaz de realizar algumas funções básicas, como comer, metabolizar, excretar, respirar, mover, crescer, reproduzir e reagir a estímulos externos. Várias máquinas realizam todas estas funções e, entretanto, não são seres vivos. Um automóvel, por exemplo, come e metaboliza a gasolina, e joga seus excrementos pelo escape. Respira oxigênio e expira gás carbônico. Por outro lado, algumas bactérias vivem na ausência completa de oxigênio, isto é, não respiram, e, sem dúvida, são seres vivos. A definição, portanto, tem falhas.

A definição Vida Metabólica

É ainda popular entre muitos biólogos. Descreve um ser vivo como um objeto finito, que troca matéria continuamente com as vizinhanças, mas sem alterar suas propriedades gerais. A definição parece correta mas, novamente, existem exceções: certas sementes e esporos são capazes de permanecer imutáveis, dormentes, durante anos ou séculos e, depois, nascerem aos serem semeados. A chama de uma vela, por outro lado, também tem uma forma definida, e troca matéria continuamente com as vizinhanças.

A definição Bioquímica (ou biomolecular)

Seres vivos são seres que contém informação hereditária reproduzível codificada em moléculas de ácidos nucleicos e que controlam a velocidade de reações de metabolização pelo uso de catálise com proteínas especiais chamadas de enzimas. Esta é uma definição de vida muito mais sofisticada que a metabólica ou fisiológica. Existem, também neste caso, alguns contraexemplos: existe um tipo de vírus que não contém ácido nucleico e é capaz de se reproduzir sem a utilização do ácido nucleico do hospedeiro.

A definição de Vida Genética

Um sistema vivo é um sistema capaz de evolução por seleção natural. Em 1859 Charles Darwin publicou o livro que o tornou famoso: “A Origem das Espécies”. Um parafraseamento moderno de sua teoria poderia ser algo como: informação hereditária é transportada por grandes moléculas conhecidas como genes. Genes diferentes são responsáveis por características diferentes do organismo. Na reprodução, este código genético é repassado para o organismo gerado. Ocasionalmente, pequenas “falhas” ocorrem na replicação do código, e surgem indivíduos com pequenas variações – ou mutações. Algumas mutações podem conferir características especiais que tornam o organismo mais apto à sobrevivência. Como um resultado, estes genes “mutantes” vão se reproduzir com mais facilidade do que os normais, e esta será a espécie dominante.

A definição Termodinâmica

O segundo princípio da termodinâmica diz que, em um sistema fechado, nenhum processo que leve a um aumento da ordem interna do sistema pode ocorrer. O universo, como um todo, está constantemente indo para uma situação de maior desordem – a entropia do universo aumenta com o passar do tempo. Em um organismo vivo a ordem parece aumentar: uma planta pega moléculas ordinárias de água e gás carbônico e as transforma em clorofila, açúcares e outros carboidratos, moléculas bem mais elaboradas e ordenadas. Isto ocorre porque um ser vivo é um sistema aberto, que troca massa e energia com as vizinhanças. Alguns cientistas concordam que, na maioria dos sistemas abertos, a ordem aumenta quando se fornece energia para o sistema, e que isto acaba formando ciclos. O mais comum dos ciclos biológicos na Terra é o ciclo biológico do Carbono. Na oxidação dos carboidratos, o dióxido de carbono é devolvido a atmosfera, completando o ciclo. Vários ciclos termodinâmicos existem mesmo na ausência de vida, como é observado em vários processos químicos. De acordo com este ponto de vista, ciclos biológicos são meramente explorações de ciclos termodinâmicos por organismos vivos.”

Propriedades da vida

Existem características comuns a todos os organismos vivos que conhecemos. Embora seres inanimados possam apresentar algumas dessas características, só os seres vivos as possuem na totalidade.

Para Lake (1999) saber o que difere um ser vivo do objeto inanimado é algo que preocupa muitos professores. Para ele, fatores como reprodução e crescimento parecem ser característicos de organismos vivos, entretanto, há outros mecanismos inerentes aos seres animados que tornam extremamente complexo o ato de caracterizar o fenômeno da vida.

Distinguindo os seres vivos dos seres inanimados

Quão bem as propriedades acima nos permitem determinar se algo é um ser vivo ou não? Vamos revisitar os seres vivos e inanimados que vimos na introdução como um teste.

Os seres vivos que vimos na introdução — seres humanos, cães e árvores – preenchem facilmente todos os sete critérios de vida. Nós, juntamente com nossos amigos caninos e as plantas nos quintais, somos feitos de células, metabolizamos, mantemos a homeostase, crescemos e reagimos. Os seres humanos, cães e árvores também são capazes de se reproduzir, e suas populações passam por evolução biológica.

Os seres inanimados podem apresentar algumas propriedades da vida, mas não todas. Por exemplo, os cristais de neve possuem uma organização — embora não tenham células — e podem crescer, mas não satisfazem os demais critérios da vida. De forma similar, um incêndio pode crescer, se reproduzir, criando novos incêndios, e reagir a estímulos, podendo até mesmo “metabolizar”. No entanto, o fogo não possui uma organização, não mantem a homeostase e não possui informação genética necessária para sua evolução.

Os seres vivos podem manter algumas propriedades da vida quando deixam de viver, mas perdem outras. Por exemplo, se você olhar a madeira de uma cadeira ao microscópio, você verá vestígios das células que compunham a árvore viva. Contudo, a madeira não está mais viva e, tendo sido transformada em uma cadeira, não pode mais crescer, metabolizar, manter a homeostase, reagir ou se reproduz.

Organização

Os seres vivos são altamente organizados, significa que eles contêm peças especializadas e coordenadas. Todos os organismos vivos são constituídos por uma ou mais células, que são consideradas as unidades fundamentais da vida.

Até os organismos unicelulares são complexos! Dentro de cada célula, os átomos formam moléculas, que formam estruturas e organelas celulares. Nos organismos multicelulares as células semelhantes formam tecidos. Os tecidos, por sua vez, participam criando órgãos (estruturas do corpo com função distinta). Os órgãos trabalham em conjunto formando os sistemas orgânicos.

Os organismos multicelulares – como os humanos – são feitos de muitas células. As células nos organismos multicelulares são especializadas para desempenhar funções diferentes e são organizadas em tecidos, como o tecido conectivo, tecido epitelial, músculo e tecido nervoso. Os tecidos formam os órgãos, como o coração ou pulmões, que desempenham funções específicas necessárias ao organismo.

Metabolismo

A vida depende de um grande número de reações químicas interligadas. Essas reações possibilitam o trabalho dos organismos, desde a locomoção ou captura de presas como também o crescimento, reprodução e a manutenção da estrutura de seus corpos. Os seres vivos devem usar energia e consumir nutrientes para realizar as reações químicas que sustentam a vida. A soma total das reações bioquímicas que ocorrem no organismo é chamada de metabolismo.

O metabolismo pode ser subdividido em anabolismo e catabolismo. No anabolismo, os organismos produzem moléculas complexas a partir de moléculas mais simples, enquanto que no catabolismo ocorre o inverso. Os processos anabólicos normalmente consomem energia, sendo que os processos catabólicos podem disponibilizar energia armazenada.

Homeostase

Os organismos vivos regulam seu ambiente interno para manter a variação relativamente estreita de condições necessárias para o funcionamento celular. Por exemplo, a temperatura do corpo deve ser mantida relativamente próxima de 98,6º F (37º C). A manutenção de um ambiente interno estável, mesmo diante das mudanças no ambiente externo, é conhecida como homeostase.

Exemplo de manutenção da homeostase

Como os organismos mantém a homeostase? Há um grande número de estratégias diferentes, e um bom exemplo é mostrado na foto abaixo. Uma lebre pode liberar calor através da superfície de suas orelhas grandes e finas, e aumentar o fluxo de sangue para os diversos vasos sanguíneos das orelhas para se refrescar quando está quente.

Imagem de uma lebre no deserto, mostrando suas orelhas muito delgadas — quase transparentes — e com muitas veias, utilizadas para a dissipação de calor.
Crédito da imagem: “Black-tailed jackrabbit(Abre em uma nova janela)” de Jerry Oldenettel (CC BY-NC-SA 2,0)

Crescimento

Os organismos vivos possuem crescimento regulado. As células individuais aumentam no tamanho, e os organismos multicelulares congregam suas muitas células através da divisão celular. Você mesmo começou como uma única célula e agora possui dezenas de trilhões de células no corpo! O crescimento depende de vias anabólicas para a construção de moléculas grandes e complexas tais como as proteínas e o DNA, que é o material genético.

Reprodução

Os organismos vivos podem se reproduzir para gerar novos organismos. A reprodução pode ser tanto assexuada, envolvendo um único organismo, ou sexual, requerendo um casal. Os organismos unicelulares, como a bactéria mostrada no lado esquerdo do painel à direita, podem se reproduzir simplesmente dividindo-se em dois!

Na reprodução sexuada, os organismos do casal produzem as células do espermatozoide e do óvulo, contendo cada uma a metade de sua informação genética, e essas células se fundem para formar um novo indivíduo com um código genético completo. Esse processo, chamado de fertilização, é ilustrado na figura mais à direita.

Reação

Os organismos vivos apresentam uma “irritabilidade”, significando que respondem aos estímulos ou alterações em seu ambiente. Por exemplo: as pessoas retiram a mão — e rapidamente! — de uma chama; muitas plantas se voltam em direção ao sol; e organismos unicelulares podem migrar em direção a uma fonte de nutrientes, ou afastar-se de uma substância química nociva.

Evolução

As populações dos organismos vivos podem sofrer evolução, significando que a composição genética de uma população pode mudar ao longo do tempo. Em alguns casos, a evolução implica em seleção natural, na qual um traço hereditário, como a cor de pele mais escura ou o bico em formato mais estreito, permite que os organismos sobrevivam e se reproduzam melhor num determinado ambiente. Ao longo de gerações, um traço hereditário que promove uma aptidão vantajosa pode se tornar cada vez mais comum na população, tornando-a mais bem adaptada ao seu ambiente. Este processo é chamado adaptação.

Esta é a lista definitiva?

Os organismos vivos possuem muitas propriedades diferentes relacionadas à sua existência, e é difícil decidir com exatidão o conjunto que melhor define a vida. Por isso, diferentes pensadores desenvolveram diferentes listas de propriedades da vida. Por exemplo, algumas listas podem incluir o movimento como uma característica determinante, enquanto outras especificam que os seres vivos carregam sua informação genética na forma de DNA. Ainda, outras enfatizam que a vida é baseada em carbono.

Também é verdade que a lista acima não é infalível. Por exemplo, a mula, descendente do cruzamento da égua e do jumento, é incapaz de se reproduzir. No entanto, a maioria dos biólogos (e todas as pessoas) consideraria a mula, mostrada na foto à direita, um ser vivo. Uma situação semelhante é ilustrada nesta anedota: um grupo de cientistas, depois de muito debate, decidiu que a capacidade de reprodução seria a propriedade-chave da vida. Para decepção deles, alguém destacou que um coelho solitário não cumpriria este quesito.

Não obstante, a lista acima fornece um conjunto razoável de propriedades que ajudam a distinguir os seres vivos dos seres inanimados.

O conceito de vida ainda está em definição

A questão sobre a definição do que é estar vivo permanece não resolvida. Por exemplo, os vírus – pequenas estruturas compostas por proteínas e ácidos nucléicos que só se reproduzem em células hospedeiras—têm muitas propriedades da vida. No entanto, eles não têm uma estrutura celular e nem podem se reproduzir sem um hospedeiro. Também não há confirmação de que eles mantêm a homeostase, e eles não têm metabolismo próprio.

Por esses motivos, os vírus não são considerados como vivos de forma geral. Contudo, nem todos concordam com essa conclusão, sendo que a questão deles contarem ou não como vida permanece um tópico de debate. Algumas moléculas mais simples do que eles – como os “príons” que causam a doença da vaca louca – e enzimas que fazem auto-duplicação de RNA também apresentam algumas, mas não todas, as características da vida.

Ademais, todas as propriedades da vida que discutimos são características da vida na Terra. Se a vida extraterrestre existir, ela pode ou não compartilhar das mesmas características. De fato, a definição operacional da NASA de que “a vida é um sistema autossustentável capaz de passar pela evolução Darwiniana” abre a porta para mais possibilidades do que o critério definido acima. Contudo, essa definição também torna difícil decidirmos rapidamente se algo está vivo ou não!

Conforme mais tipos de entidades biológicas forem descobertas, na Terra e além dela, pode ser que precisemos repensar o que significa estar vivo. Descobertas futuras podem demandar revisões e extensões da definição de vida.

Um robô pode ser considerado um ser vivo?

Vamos testar a lista de propriedades num caso mais complicado. Imagine um robô muito sofisticado, tal como o R2D2 ou C3PO do filme Star Wars. Um robô desse tipo possui uma organização – mas sem células – reage a estímulos e até possui um tipo de metabolismo, usando energia para alimentar os circuitos do seu “sistema nervoso”. Ele até poderia manter a homeostase com o auxílio de um ventilador e aquecedor internos que ligariam se houvesse mudança de temperatura.

Um robô típico não iria crescer, se reproduzir, ou fazer parte de uma população que evolui, e assim não seria considerado vivo. No entanto, e se um robô fosse programado para adicionar peças a ele mesmo? Para construir mais robôs? Para construir mais robôs com variações no “DNA” de seus programas? Como mostram essas ideias, um computador ou robô suficientemente sofisticado – bem além do que temos hoje! – poderia começar a mudar a definição de vida.

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AUTOR:

Aurélio Paz da Luz

Idealizador do projeto Bioência em 2010. Graduado em Sistemas para Internet pela Faculdade de Tecnologia São Mateus. Graduação incompleta em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário São Lucas, mas dando continuidade na Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Atualmente trabalha com Webdesing e Marketing de Conteúdo. Especialista em SEO (Search Engine Optimization).